Saturday, October 28, 2006

''O fim de um ciclo para a Madeira'' por Paulo Ferreira

O fim de recursos "naturais" baratos e abundantes à escala da região põe em risco o básico programa político e modelo de governação de Alberto João Jardim

Em O Futuro da Liberdade, o editor da Newsweek Farred Zacharia explica que entre os países com condições para se perpetuarem regimes à margem da democracia liberal estão aqueles que possuem abundantes recursos naturais. É esse o caso dos países do Médio Oriente, ricos em petróleo. A disponibilidade de uma matéria-prima valiosa, de fácil e barata extracção e com mercado garantido à partida, faz com que os governos desses países disponham de recursos financeiros suficientes para garantir um nível razoável de vida a uma boa parte dos cidadãos, sem terem que os maçar com a cobrança de impostos elevados ou com medidas de austeridade. Nesta amenidade não se geram tensões que possam provocar rupturas sociais ou políticas, garantindo às elites uma governação sem sobressaltos.
A Madeira não pode, naturalmente, ser comparada a estes países. Mas a longevidade da liderança de Alberto João Jardim encontra uma explicação comum: a existência de um recurso quase inesgotável, obtido quase sem esforço e a baixo custo político. Não é o petróleo, obviamente, nem sequer são as condições naturais para o turismo. São as generosas transferências orçamentais que a região tem recebido, sem controlo efectivo e com alguns perdões de dívida pelo meio.
João Jardim nunca precisou de tomar medidas difíceis para os madeirenses que o elegeram sucessivamente. Nunca precisou de aumentar impostos ou de congelar aumentos salariais aos funcionários públicos da região. Nunca teve necessidade de cortar privilégios a corporações. Ele é a corporação da Madeira, congregando em seu redor todos os interesses do arquipélago, desde que sejam acríticos e lhe retribuam a simpatia sempre que necessário.
Sem nunca ter que fazer o mal, teve sempre à disposição recursos para fazer o bem: estradas e escolas, subsídios e empregos, favores e paternalismo. Tudo sempre foi fácil a Alberto João Jardim. É mestria sua, dirá quem prefere olhar para a obra feita e desvalorizar os meios utilizados e o estilo. Mas é, sobretudo, um caso gritante de cumplicidade de sucessivos governos da República que, por convicção ou para evitar polémicas, sempre se demitiram de confrontar o que se passava no arquipélago e o seu barulhento governante.
A saudável decisão do ministro das Finanças de aplicar as penalizações que estão previstas na lei por ultrapassagem dos limites de endividamento, cortando 120 milhões de euros às transferências para a Madeira nos próximos anos, representa, nesse sentido, o fim de um ciclo que é reforçado com as regras da nova lei de finanças regionais.
Mais do que qualquer outra coisa, é isto que dói a João Jardim. O fim de recursos "naturais" baratos e abundantes à escala da região põe em risco o seu básico programa político e modelo de governação.
É na escassez que se revelam os bons gestores, como é na crise que se identificam os bons líderes. Talvez agora as verdadeiras capacidades de Alberto João Jardim possam começar a ser postas à prova. In Público (28/10/2006)

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