Thursday, September 21, 2006

''A irresponsabilidade financeira regional'' por Vital Moreira

A irresponsabilidade financeira regional
Por Vital Moreira

As regiões autónomas dos Açores e da Madeira têm, sem dúvida, direito à solidariedade nacional para compensar os custos de insularidade e da perifericidade e para ajudar à sua convergência para a média do desenvolvimento nacional. Mas o actual regime de finanças regionais é insustentável para as finanças nacionais, mesmo que a necessidade de disciplina das finanças públicas não fosse tão premente como é.
O mínimo que se pode dizer é que as regiões autónomas beneficiam de um regime financeiro ímpar. Por um lado, recolhem todas as receitas fiscais nelas cobradas ou geradas e gozam de volumosas e diversificadas transferências anuais do Orçamento do Estado (que é alimentado somente pelos contribuintes do continente). Por outro lado, nem sequer contribuem para o financiamento das despesas gerais da República (órgãos de soberania, justiça, forças armadas, forças de segurança, embaixadas e relações externas, contribuições para as organizações internacionais, a começar pela ONU e pela UE, etc.), para além de o Estado continuar a financiar os importantes serviços públicos nacionais existentes nas regiões (tribunais, universidades, etc.).
Este insólito regime de favor tem algumas raízes na Constituição (como a independência orçamental e o direito às receitas fiscais), mas foi sendo progressivamente conquistado pelos governos regionais aos governos da República, culminando com a Lei de Finanças Regionais de 1998, no tempo de Guterres (de quem haveria de ser?!), que se traduziu numa verdadeiro "assalto" regional ao Orçamento do Estado.
Na verdade, são vários os títulos pelos quais as regiões autónomas "sacam" dinheiro do Orçamento do Estado. O principal é uma transferência anual directa, que equivale no essencial a uma capitação das despesas de investimentos do Orçamento do Estado (PIDDAC), mas com uma cláusula de salvaguarda, que lhes garante uma transferência pelo menos igual ao montante do ano anterior, acrescido da taxa de crescimento da despesa pública. Por maiores que sejam as dificuldades financeiras do Estado, as regiões autónomas saem sempre a ganhar. Os contribuintes do continente que paguem a factura!
No entanto, há várias outras transferências. Entre elas estão, por exemplo, as bonificações fiscais correspondentes a planos de incentivos nacionais, na sua incidência nas regiões autónomas, o que quer dizer que elas beneficiam dos incentivos, enquanto a respectiva despesa fiscal é suportada pelo Estado. O mesmo se passa com as comparticipações nacionais nos programes de incentivos comunitários -, também aqui é o Orçamento do Estado que paga a parte correspondente aos Açores e à Madeira. Acresce que o Estado também co-financia os chamados "projectos de interesse comum", cuja definição latitudinária permite que as regiões reivindiquem o financiamento de tudo e mais alguma coisa, nomeadamente nos projectos mais dispendiosos de infra-estruturas (aeroportos e portos). Há ainda as transferências para as autarquias locais insulares, ao abrigo da lei das finanças locais (apesar de a tutela sobre as autarquias caber aos órgãos de governo regionais).
Também não são somente os serviços do Estado nas regiões que são pagos pelo Orçamento do Estado. Há muitas outras despesas à conta dele, como por exemplo o rendimento social de inserção, a convergência tarifária na energia eléctrica, os subsídios nos transportes aéreos e marítimos, etc. Como se vê, tudo somado, trata-se de uma verdadeira cornucópia jorrando dinheiro do continente para as regiões autónomas.
No meio desta "labúrdia" financeira há situações verdadeiramente escandalosas. Basta citar duas delas. A primeira tem a ver com o IVA. Na verdade, em vez de receberem o IVA correspondente às transacções nela realizadas, de acordo com a taxa nelas vigente, elas conseguiram obter do Estado um regime tal que lhes permite receber o equivalente à capitação do total do IVA do continente, podendo elas manter um IVA muito mais baixo (neste momento é de 15 por cento na Madeira, muito abaixo da taxa "nacional" desse imposto). Ou seja, os contribuintes continentais não só têm de pagar mais para equilibrar as finanças públicas, como ainda por cima têm de pagar uma parte para as regiões autónomas, que se podem dar ao luxo de ter o IVA mais baixo sem com isso ter nenhuma redução da receita.
A segunda situação bizarra diz respeito ao endividamento. As regiões autónomas podem contrair empréstimos, que gozam da garantia do Estado, beneficiando portanto dos juros mais baixos. Além disso, porém, as regiões conseguiram obter do Estado em várias ocasiões o pagamento dos juros da sua dívida, ou da própria dívida, o que culminou com o pagamento de 110 milhões de contos para cada uma delas, estabelecido pela referida lei de finanças regionais em 1998 e 1999. Ou seja, por cima das receitas próprias e as transferências do Estado, as regiões ainda se endividam para além da sua capacidade, vindo depois o Estado assumir as suas dívidas!
Este incrível regime de finanças regionais tem quatro defeitos fatais.

Primeiro, assenta em vultosas transferências do Orçamento do Estado em termos indiferenciados, sem ter em conta o desenvolvimento de cada uma das regiões, sendo por isso injusto. Neste momento, a Madeira já está entre as regiões mais ricas do país, acima da média nacional, continuando porém a receber uma ajuda maciça paga pelos contribuintes do continente, apesar de três regiões deste serem muito mais pobres do que ela (Norte, Centro e Alentejo). Segundo, este sistema de finanças regionais não cria nenhuma solidariedade regional com as dificuldades financeiras nacionais, ficando em geral imunes à necessidade de sacrifícios para equilibrar as finanças do Estado: os contribuintes continentais que paguem as crises! Terceiro, o regime das finanças regionais permite que, no caso do IVA, as regiões beneficiem de taxas mais baixas sem nenhuma diminuição da sua receita, num caso de óbvia irresponsabilidade fiscal. Quarto, a garantia dada pelo Estado ao endividamento regional criou um clima de laxismo financeiro, que permitiu às regiões endividarem-se para além das suas capacidades, pressionando depois o Estado para cobrir tais dívidas.
Foi entretanto anunciada uma revisão da lei das finanças regionais, sendo conhecidas algumas das mudanças defendidas pelo Governo, nomeadamente o fim do referido regime excepcional do IVA, a eliminação da garantia do Estado ao endividamento regional e a variação das transferências financeiras para as regiões tendo em conta o diferente grau de desenvolvimento de cada uma. As regiões autónomas não tardaram a reagir com grande alarido, rejeitando liminarmente essas propostas ("nem um euro a menos!", clamaram). Porém, o mínimo que se pode dizer é que as referidas mudanças são imprescindíveis e que só pecam por defeito. Deveria ir-se bem mais longe, caminhando para um regime semelhante ao das ajudas regionais e de coesão da União Europeia.
Seja como for, as regiões autónomas não podem viver eternamente à custa do continente e têm de ser solidárias com as dificuldades financeiras da república. A posição que têm adoptado nesta questão, especialmente a Madeira, coloca-as ao nível da irresponsabilidade política de qualquer grupo de interesse na defesa de pretensos "direitos adquiridos". Francamente, é de exigir delas algum sentido de Estado.

(Público, Terça-Feira, 19 de Setembro de 2006)

2 Comments:

Blogger antipublico said...

Vital Moreira, respondendo à “encomenda” regular de publicação de ataques à Madeira, estende-se hoje, no Público, sobre a “irresponsabilidade financeira regional”.

É tão pouco surpreendente que nem me alongarei sobre o que está escrito. Limitar-me-ei a listar assuntos não referidos e a colocar algumas questões:

1)Em oposição ao regime financeiro das regiões autónomas, seria interessante uma discussão sobre o regime financeiro das empresas públicas, tais como a CP, a REFER, o Metro, a TAP, a Carris, etc… Logo aí se apurariam irresponsabilidades…

2)Guterres não “deu” 110 milhões à Madeira. Ou melhor. Deu. Também. Por vergonha e de arrasto. Na realidade, deu 110 milhões aos Açores. Depois de Carlos César chegar ao poder, convinha criar condições para que o PS não fosse apeado logo de seguida. Assim, limpou a dívida dos Açores (no seu exacto valor). A Madeira recebeu o mesmo, pois cairia mal qualquer coisa diferente…

3)No referente às obras de Fundo de Coesão (as tais obras de Aeroportos e Portos), co-financiados pelo País e pela Europa, na Madeira, quase tudo se reduziu à ampliação do Aeroporto. Uma ridicularia se pensarmos no TGV e OTA que aí vêm… Nos Açores, a coesão tem dado muito mais. O que é razoável e tem sido aceite, sem problemas, pela Madeira.

4)A tutela das autarquias é do Governo Regional? É o que escreve Vital Moreira. Era bom esclarecer este ponto…

5)O IVA (transferido em função da capitação nacional) acaba por ser uma compensação (fraca) destinada a atenuar (não faz mais do que isso) o nível de vida na RAM, muito mais caro que no Continente. Razões: os transportes. Basta ver que até a DECO, quando faz as suas listas e quadros comparativos de preços e custos de produtos, considera uma base 100 diferente entre a Madeira (e os Açores) do resto do País. O que acaba por "mascarar" este facto...

6)Quanto ao subsídio às viagens aéreas, seria bom uma análise séria à questão. Esse subsídio é uma mentira. Não é mais do que um financiamento encapotado do Governo Central à TAP. Para esta se manter, como empresa estratégica e de referência. Mesmo após o subsídio, uma viagem Lisboa-Madeira é substancialmente mais cara do que viagens muito mais longas para outros destinos. Ou seja, apesar de “pesar” como dinheiro dado aos madeirenses (como escreve Vital Moreira) não lhes chega nada desse subsídio. Os madeirenses pagam pelo serviço valores muito acima dos praticados em rotas semelhantes por outras companhias. E mais acrescento: a rota só não é entregue à concorrência, para manter o tal subsídio… e manter a empresa à tona. À custa dos madeirenses, a quem, não só não chega o subsídio, como não chega uma rota com serviços baratos em consequência da concorrência estar “fechada”.

7)E os impostos (IRC) das empresas com actividade na Madeira e que, sedeadas em Lisboa, aí se colectam? Pois... são verbas de Lisboa... O que prova que é Lisboa vive à custa do resto do País. E não o contrário. Como pretende Vital Moreira.

8)E as receitas de privatizações de empresas, também com “valor” na RAM? São receitas do Continente? Não há justiça nisto. Até porque foi por conta desses valores que Guterres pagou a dívida dos Açores e reduziu a dívida da Madeira. Nada de favores. Apenas o valor devido da quota parte das privatizações.

9)E as receitas de outros impostos, tais como Automóvel, Combustíveis, Tabaco, Selo, Álcool, Jogo?

10)E as receitas e lucros do Euro milhões (que também se joga na Madeira)? Porque são apenas distribuídas no Continente? Em projectos continentais e para entidades continentais. Porquê?

11)E o edifício da Universidade da Madeira? Que é da responsabilidade do Estado, como diz o constitucionalista… Mas que, depois de anos à espera do investimento continental, foi necessário avançar para a sua construção. E quem avançou? O Governo Regional.

12)Quanto às crises e à partilha de sacrifícios, duas coisas: devem pagar as consequências das más políticas quem envereda por elas. E devem ser solidários todos, na mesma medida. Se é preciso cortar 1,2% ao ano, não é correcto cortar, só a alguns, 30%... E sem deixar de continuar a demonstrar que o grande responsável pelo défice (o tal problema gerador destes sacrifícios) não é o GR, nem as autarquias…

13)E, terminando, o PIB madeirense cresceu muito. Quem desvaloriza esse crescimento, apontando para o peso da Zona Franca, não pode, agora, estar a defender a referência a esse valor para atribuir as verbas de coesão nacional… Não é coerente.

PS. Recentemente VM veio atacar os pactos de regime. Que Sócrates deveria avançar sempre só e sem dar cavaco a ninguém. E outros foram dizendo que só assim se defende a democracia e a alternância. As opções de quem é maioria. Onde estaria essa malta quando o PSD e o PP quiseram fazer uma nova Lei de Bases da Educação? Que não avançou, justamente, por falta de consenso alargado, que aí, segundo eles, já se justificava, em função da importância da matéria. Quem decidiu isso? Sampaio, apoiado por toda essa malta… Ou seja, esse raciocínio (de decisão alternada) só se aplica com o PS no poder… ou então, a Justiça e a Segurança Social não são, para eles, matéria importante… que justifique consensos alargados.

2:55 AM  
Blogger Unknown said...

Acho que está chegada a altura de se conceder independência às regiões autónomas. Os portugueses do continente são os cubanos, os invasores, os colonizadores etc. Chega de pagar a factura daqueles que ao invés de se reconhecerem na unidade nacional só promovem a fractura nacional proferindo aleivosias e pérolas de arrogancia. Pergunto: porque há-de um indivíduo que nunca foi à madeira pagar o que lá é feito? Porque hei-de eu contribuir para suportar a vida ali? Ora, tal obrigação decorre de um imperativo de solidariedade nacional. Certo. Até aí muito bem, o que acontece é que os madeirenses não se julgam portugueses, aliás não querem sequer que se gere esse equívoco. Logo, reconheça-se a indpendência aqueles territórios e eles que se governem.
Indpendência para a Madeira Já!

9:39 AM  

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